João Afonso é um dos exponentes máximos do futebol no distrito de Castelo Branco. O jogador, de 33 anos, é capitão do Torreense, da II Liga, e já passou por vários clubes, como o Vitória Guimarães, Estoril-Praia, Santa Clara, entre outros.

João Afonso é o convidado de fevereiro da nova rúbrica da Associação de Futebol de Castelo Branco: “No Interior do Jogo”.

Na segunda parte da conversa, abordámos a experiência profissional nos Açores e, atualmente, em Torres Vedras e ficámos a conhecer mais a pessoa fora do contexto desportivo. O jogador deixou ainda conselhos aos mais novos.

AFCB: Em 2019-2020, mudaste de Guimarães para os Açores, para representar o Santa Clara. Como encaraste essa mudança?

JA: Foi uma mudança grande. Nesse verão, casei-me e, nessa altura, estava cada um em seu sítio a trabalhar. Ela estava nas Donas, no Fundão, e, quando fui para o Estoril, também me acompanhou. Ficou na área do fitness e eu regressei a Guimarães para ir para Espanha, mas decidimos que era melhor ficar cada um em seu sítio. Nesse ano, nos Açores, ela volta a viver comigo e, em termos de estabilidade, foi ótimo. Somos muito caseiros e tranquilos e os Açores foi espetacular. A minha filha nasceu na Covilhã, mas o primeiro ano de vida foi nos Açores e, pessoalmente, foi muito bom.

A nível profissional, também foi muito bom. Na primeira época joguei sempre – só fiquei de fora um ou dois jogos -, foi extraordinário. Foi a temporada da pandemia e tivemos um mês de internato na Cidade do Futebol, o que também foi uma experiência diferente. Fomos a única equipa forçada a mudar de casa e deixar a nossa vida normal. Também foi a época em que fiz mais golos (4G).

Na segunda temporada, é quando nos apuramos para a Conference League e acabei por jogar um pouco menos, mas também tive muita participação. E no terceiro ano, comecei bem e a titular, tive uma quebra de rendimento e os treinadores decidiram mudar. Entretanto voltei a recuperar o lugar e quando chega o terceiro treinador dessa época, decidiu que as minhas características não se enquadram no seu estilo de jogo e fiz menos minutos. Estava em final de contrato, acabei por renovar, mas sai na época seguinte por questões administrativas e mudança de direção.

AFCB: Em 2022-2023 dás um novo rumo à tua carreira, desta feita para o Torreense, onde te manténs até então. Como tem sido este capítulo?

JA: Sou uma pessoa muito ligada à família e, com a ida para os Açores, os avós não podiam acompanhar algumas partes do crescimento da minha filha e então, este regresso ao continente e ficar a duas horas de casa, foi ótimo. A mudança para Torres Vedras, a nível pessoal e familiar, foi benéfica. Ir a casa dos pais é sempre um conforto diferente e um momento de prazer e união que damos muito valor.

A questão desportiva, na última temporada, tivemos algo tremidos. A primeira volta foi muito complicada, quase sempre abaixo da linha de água. Na segunda volta conseguimos recuperar e fazer um campeonato tranquilo, com valorização de jogadores e a ideia de jogo era muito virada para o desenvolvimento do atleta. Foi um final de época extraordinário, também fiz alguns golos, o que é bom. Este ano estamos a fazer um campeonato mais tranquilo e está a correr bem. Os últimos resultados e exibições estão um pouco aquém do que gostávamos, mas o campeonato é longo. Espero dar continuidade a nível individual e estou muito satisfeito. Tenho jogado praticamente sempre e foi a escolha acertada. No Santa Clara estava com pouca utilização e encontrei isso aqui no Torreense. No final da época logo se vê.

AFCB: Partilhaste o balneário com jogadores muito experientes, mas a verdade é que foste capitão em praticamente todos os clubes em que passaste, tal como já és também em Torres Vedras. Consideraste um líder?

JA: Gosto de liderar pelo exemplo. Considero ser esse tipo de líder. Pelo exemplo, pelo trabalho, pela dedicação, pelos princípios coletivos antes dos individuais, valorizar o bem e não criticar o menos bom. Sou esse tipo de líder. Já me foi apontado, enquanto capitão, que falhava algumas vezes na parte da cobrança, que não fazia de forma expressiva e explosiva, que também é necessário, mas isso já é uma característica pessoal, da qual me sinto pouco à vontade para fazer. Considero-me ser um líder pelo exemplo, mais do que pela cobrança ou exigência.

AFCB: Passaste por vários Clubes e tiveste vários treinadores – alguns deles bastante conhecidos. Qual o mais marcante?

AFCB: Dou sempre esta resposta, porque é um bocado inevitável. Quem me abriu as portas do profissional foi o Vit. Guimarães, através do mister Rui Vitória. Lembro-me que o Vice-Presidente da altura comentou que, quando dei uma entrevista ao ZeroZero, o Vit. Guimarães leu-a, inclusive o treinador, e com isso disse logo que era para avançar para a minha contratação. Isso foi um marco importante para mim.

Logicamente que, se sou o jogador que sou hoje, tenho coisas que todos os treinadores me ensinaram e contribuíram para que chegasse a este nível. Destaco o Rui Vitória pelo realizar de um sonho e o impacto que teve para concretizá-lo. Mas sou grato a todos os treinadores com quem trabalhei.

AFCB: És mestre em Atividade Física. Conseguiste sempre conciliar os estudos e a vida de futebolista? O mestrado é já a pensar na vida após os relvados?

JA: Sim. Na semana passada, fui a uma palestra, organizada pelo Clube, relativo à questão de conciliar a parte desportiva com a académica. Para mim, sempre foi relativamente fácil, uma vez que não coincidiam. Os horários permitiram sempre estar presente em ambos. As aulas acabavam às 17:30, os treinos eram ao final do dia e, portanto, tinha sempre possibilidade de ir à Escola e seguir para o treino. Foi assim a minha vida toda, enquanto estudei, foi dar continuidade. No Mestrado, já foi um pouco diferente. No primeiro ano, que é presencial, ainda estava em Castelo Branco e ainda era possível ir às aulas e acompanhar. O estágio fiz nos escalões de formação do Benfica Castelo Branco. Era um pouco diferente, uma vez que tinha as manhãs livres e as tardes com aulas, mas acabavam por volta das 17:30 e conseguia sempre ir ao treino.

Quando fui para Guimarães, só tinha de fazer a tese de Mestrado. Estava sempre em contacto, via e-mail ou telefonicamente, com os orientadores, não era necessário estar presente. Na equipa técnica do Rui Vitória tinha quatro professores e um deles ainda me ajudou em algumas coisas. Foi relativamente fácil, porque os horários sempre permitiram as duas vertentes.

AFCB: Na tua opinião, que características – físicas, psicológicas – necessitam os jovens para vingar no mundo do futebol?

JA: Acho que, atualmente, até são mais psicológicas. O mundo, no geral, está muito informático, de redes sociais, de internet, em que facilmente se chega às pessoas, muitas vezes para se apontar os erros, em vez das virtudes. Na minha visão, hoje em dia, está muito assim. Não tenho redes sociais. Tem muita coisa boa, mas também tem bastante lixo e, para estar a poluir, decidi não ter redes socais. A nível mental, uma confiança muito grande, porque o atleta, seja qual for o desporto, depende muito da confiança, em trabalhar para alcançar. Se trabalharmos estaremos mais próximos, porque estaremos mais preparados para alcançar e com menos dúvidas. A resiliência é muito importante, porque mesmo com trabalho, dedicação e preparação, as coisas podem sair de forma diferente do que queremos. Se tivermos a resiliência e confiarmos no processo, é muito importante.

A nível físico é conseguir alcançar, a cada dia, o máximo. Isso nem sempre é regular – devido ao sono ou estamos mais em baixo -, e temos de conseguir chegar ao limite naquilo que temos para dar naquele dia. Se conseguirmos andar sempre perto do nosso limite, vamos estar mais bem preparados para os desafios e para a competição.

AFCB: Sentes-te uma referência no nosso distrito para os mais novos?

JA: Sinto. Considero que, quando estava a jogar na I Liga e se tem mais visibilidade, é normal ter mais impacto. Com a vinda para o Torreense, as pessoas podem acompanhar menos, mas considero que sim.

AFCB: Que objetivos ainda tens por cumprir no futebol?

JA: Se continuar nesta divisão, gostava de alcançar uma subida. Tenho a ideia de continuar a jogar a este nível mais uns anos. Tenho um número, vou guardar para mim, e numa entrevista futura, voltamos a falar sobre isso. Basicamente é isso e melhorar os meus registos e os meus números. A minha melhor época foram quatro golos, agora levo dois tentos, porque não fazer cinco nesta? Quero ultrapassar sempre as minhas melhores marcas, tentar andar sempre perto do máximo e acho que é esse o pensamento do dia a dia para alcançar coisas melhores no futuro.

AFCB: Que mensagem gostavas de deixar aos jovens futebolistas do nosso distrito que, como tu, ambicionam ser profissionais?

JA: É preciso muita dedicação, empenho e resiliência. Vou partilhar uma história. Na entrevista focaste a idade com que fui para Guimarães – 24 anos. Durante essa época, tinha um professor que dizia “ah está a ficar tarde. Se calhar não vai dar”. Continuei a acreditar e, no fim, consegui alcançar o meu sonho. Acreditem, mas isso não basta. É preciso trabalhar diariamente e também estar no sítio certo à hora certa, com as pessoas certas a ver. Se o trabalho for bem feito, a oportunidade vai aparecer.